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Manifestantes derrubam grade do Palácio Bandeirantes |
A atual crise das polícias me faz lembrar de alguns episódios ocorridos durante a ditadura militar. Não há uma relação de causa e efeito entre eles e o problema atual, mas o registro dessa história ajuda a entender o presente.
Os militares supunham que os civis - sobretudo os políticos civis - eram incompetentes, venais e corruptos. Generalizadamente. Mesmo os políticos que apoiavam o regime eram pouco considerados pelos governos militares.
Isso os levava a reduzir a responsabilidade das autoridades civis. Os parlamentares não decidiam nada sobre o orçamento. Os governadores não nomeavam os secretários de segurança pública e os comandantes da PM sem o "de acordo" do governo militar. Os prefeitos, mesmo os das grandes capitais, não desempenhavam papel algum no controle da ordem pública de suas cidades.
Em julho de 1969, um decreto-lei (que não dependia do Congresso Nacional) reorganizou as polícias militares e os corpos de bombeiros, submetendo-os ao controle da Inspetoria Geral das Polícias Militares, integrada ao Estado-Maior do Exército. Isso significou a definitiva militarização da polícia e a perda total de controle dos governadores. A "federalização das forças regionais" foi complementada com a destinação exclusiva dos cargos de secretário estadual de segurança pública e de comandante de polícia militar a oficiais do Exército.
Esse processo não começou no regime militar. Iniciou-se no outro regime autoritário do Brasil Republicano, o Estado Novo, com o projeto de nacionalização das forças regionais que buscou fortalecer o poderio da União em detrimento dos estados.
Não se pode dizer que a crise atual derive diretamente desse formato que a polícia brasileira adquiriu durante a ditadura, mas é muito ruim que, entre nós, impere a ideia de que a PM é a "verdadeira" polícia, a que "faz e acontece". As polícias civis ainda são frágeis, apesar de alguns avanços recentes. Poucos homicídios são investigados e esclarecidos. Se o cidadão chegar com uma queixa a uma delegacia, ele será olhado com desdém. Os pobres e negros são tratados como suspeitos apenas por isso. Esse quadro é incompatível com um país realmente desenvolvido.
Como se não bastassem, esses problemas são agravados pela confusão que há, no Brasil, entre autoritarismo e autoridade. Nem toda manifestação social é legítima. Um médico do SUS não pode deixar de atender um doente grave porque está em greve. Policiais militares não podem fazer greve.
Em abril de 1983, logo após a eleição dos primeiros governadores de oposição, houve uma onda de depredações e saques em São Paulo. O governador Franco Montoro, de São Paulo, fazia uma reunião com os colegas do Rio, Leonel Brizola, e de Minas Gerais, Tancredo Neves. José Serra também estava presente. Durante o almoço, a multidão avançou até o Palácio Bandeirantes e chegou a derrubar as grades que o cercavam. Montoro deu ordens para que não houvesse reação. Sua imagem e autoridade ficaram muito abaladas.
O exercício sereno da autoridade não é uma afronta à democracia.
Os militares supunham que os civis - sobretudo os políticos civis - eram incompetentes, venais e corruptos. Generalizadamente. Mesmo os políticos que apoiavam o regime eram pouco considerados pelos governos militares.
Isso os levava a reduzir a responsabilidade das autoridades civis. Os parlamentares não decidiam nada sobre o orçamento. Os governadores não nomeavam os secretários de segurança pública e os comandantes da PM sem o "de acordo" do governo militar. Os prefeitos, mesmo os das grandes capitais, não desempenhavam papel algum no controle da ordem pública de suas cidades.
Em julho de 1969, um decreto-lei (que não dependia do Congresso Nacional) reorganizou as polícias militares e os corpos de bombeiros, submetendo-os ao controle da Inspetoria Geral das Polícias Militares, integrada ao Estado-Maior do Exército. Isso significou a definitiva militarização da polícia e a perda total de controle dos governadores. A "federalização das forças regionais" foi complementada com a destinação exclusiva dos cargos de secretário estadual de segurança pública e de comandante de polícia militar a oficiais do Exército.
Esse processo não começou no regime militar. Iniciou-se no outro regime autoritário do Brasil Republicano, o Estado Novo, com o projeto de nacionalização das forças regionais que buscou fortalecer o poderio da União em detrimento dos estados.
Não se pode dizer que a crise atual derive diretamente desse formato que a polícia brasileira adquiriu durante a ditadura, mas é muito ruim que, entre nós, impere a ideia de que a PM é a "verdadeira" polícia, a que "faz e acontece". As polícias civis ainda são frágeis, apesar de alguns avanços recentes. Poucos homicídios são investigados e esclarecidos. Se o cidadão chegar com uma queixa a uma delegacia, ele será olhado com desdém. Os pobres e negros são tratados como suspeitos apenas por isso. Esse quadro é incompatível com um país realmente desenvolvido.
Como se não bastassem, esses problemas são agravados pela confusão que há, no Brasil, entre autoritarismo e autoridade. Nem toda manifestação social é legítima. Um médico do SUS não pode deixar de atender um doente grave porque está em greve. Policiais militares não podem fazer greve.
Em abril de 1983, logo após a eleição dos primeiros governadores de oposição, houve uma onda de depredações e saques em São Paulo. O governador Franco Montoro, de São Paulo, fazia uma reunião com os colegas do Rio, Leonel Brizola, e de Minas Gerais, Tancredo Neves. José Serra também estava presente. Durante o almoço, a multidão avançou até o Palácio Bandeirantes e chegou a derrubar as grades que o cercavam. Montoro deu ordens para que não houvesse reação. Sua imagem e autoridade ficaram muito abaladas.
O exercício sereno da autoridade não é uma afronta à democracia.
Geralmente, quando a violência entra em cena, a autoridade sai pelas portas do fundo. O fato de nossa polícia precisar recorrer à violência constantemente, mesmo em casos banais, é a prova de que sua autoridade não é totalmente reconhecida pela população. Ou seja, no Brasil, pelo que percebo, a legitimidade necessária a esse "exercício sereno da autoridade" está cada vez mais indo para as cucuias.
ResponderExcluirMeus parabéns pelo texto. De forma sintética, esse post mostra que a história pode ajudar a situar uma problemática contemporânea em diferentes temporalidades, e, ao fazê-lo, credencia melhor o cidadão para refletir sobre o presente.
Não deixa de ser curioso, ainda, a maneira como alguém do Estado chegou a se referir aos policiais militares que ensaiaram uma greve aqui no Rio: "agitadores de motins", "baderneiros", etc.
O próprio paladino dos PM's, Deputado Wagner Montes, falou nesses termos. Interessante perceber a aplicação desses conceitos há alguns anos atrás para, assim, notar que os inimigos do Estado podem até mudar de roupa, vestir uma farda, mas nunca deixam de existir.