[Texto
que serviu de base para a conferência “Pós-graduação em História no Brasil”, no
XXIX Simpósio Nacional de História, no dia 25 de julho de 2017, em Brasília]
Quero,
inicialmente, prestar minhas homenagens aos coordenadores que me antecederam
nesse difícil encargo: Francisco Falcon, Maria Helena Capelato, Janaína Amado,
Stella Bresciani, Guilherme Pereira das Neves e Raquel Glezer.
Vou usar
minha experiência como coordenador da área desde 2011 para apresentar quatro propostas de aprimoramento
da pós-graduação em História no país.
São
propostas de minha inteira responsabilidade, embora eu tenha me beneficiado
muito das discussões que fiz com Claudia Wasserman e Marcelo Magalhães –
coordenadores adjuntos.
Devo ressaltar que não me considero "dono da verdade" nem suponho que as propostas estejam perfeitamente acabadas. Creio, no entanto, que seria insensatez de minha parte não divulgar essas reflexões tendo em vista a experiência que acumulei no cargo que ocupo por tantos anos e que me permitiu analisar milhares de dados relevantes.
Comecemos
do início: a nossa rede de programas.
Minha
primeira proposta é que deve
haver expansão muito controlada apenas dos programas profissionais e dos cursos
de doutorado.
Isso
porque já temos ampla cobertura nacional de mestrados acadêmicos. Os programas existentes
e o sistema de bolsas que temos permitem que qualquer brasileiro – alguns
talvez com certo sacrifício – possa fazer mestrado em História se tiver essa
vocação.
O
que quero dizer é que a expansão do sistema não é o nosso principal problema
hoje.
Já
foi no passado. Não é mais. 25% dos programas hoje existentes foram criados durante nossa gestão. 36% dos doutorados existentes também o foram.
Em passado remoto, nos beneficiamos indiretamente da reforma
universitária e, sobretudo, da implantação
da pós-graduação nos moldes que a conhecemos hoje, a partir do parecer de
Newton Sucupira – mais conhecido pela plataforma do que pelo parecer, que é de
1965. Dez anos depois, aproximadamente, viria o programa de avaliação da Capes,
em 1976, associado à distribuição de bolsas, ao investimento na pesquisa, à
expansão do sistema nacional de pós-graduação e ao credenciamento dos cursos. Isso
vinha sendo discutido havia alguns anos. Visava às ciências da terra, às engenharias,
às ciências biológicas, exatas e da saúde. Era preciso formar doutores com
urgência nessas áreas. As humanidades apenas “pegaram carona”, mas, ainda
assim, nos beneficiamos da avaliação, das bolsas e de alguns recursos.
Esse
benefício, entretanto, cobrou o seu preço. Hoje, após mais de quatro décadas, é
evidente para mim que o curso de mestrado em História vive uma crise, tendo
perdido o seu sentido de formação. Lembro-me de que ironizávamos as
dissertações que demoravam seis, sete ou oito anos para serem defendidas. Isso
realmente era um absurdo. Agora, entretanto, nos tornamos produtores em massa de dissertações dentro do prazo de 24 meses –
que é o prazo da bolsa – e temos de nos perguntar para que servem essas dissertações.
Frequentemente,
o bacharelando estuda um
tema de iniciação científica com um orientador e, antes mesmo de concluir sua
monografia de bacharelado, já se prepara para fazer o mestrado com o mesmo
orientador e com projeto sobre o mesmo tema. Trata-se de especialização precoce.
Todos
sabemos que não há bom historiador – pesquisador ou professor – sem erudição, isto é, sem capacidade de
fazer analogias, comparações, sem boa carga de leitura em temas diversos, ao
menos com conhecimento da historiografia e da cultura em termos gerais. Nossos cursos de mestrado não favorecem
esse tipo de formação.
Muito
frequentemente, no primeiro ano, o mestrando tem de cursar disciplinas, fazer os
respectivos trabalhos finais, um relatório anual, preparar-se para o exame de
qualificação escrevendo um capítulo, fazer a qualificação no início do ano
seguinte, continuar a pesquisa para a dissertação (se é que já a iniciou), cuja
redação fará no tempo que sobrar desse segundo ano. Uma corrida contra o tempo.
Alguns programas ainda estimulam os mestrandos a apresentarem comunicações em
eventos acadêmicos.
Quase nenhum programa define a
dissertação de maneira diferenciada da tese, de modo que a expectativa em relação
à dissertação é de que ela seja uma minitese.
As bancas louvam os candidatos que se excedem dizendo orgulhosamente: “sua
dissertação é uma verdadeira tese!” Como se isso fosse um elogio e não o
diagnóstico de um grave problema.
Ora,
ao nos adequarmos, nas últimas décadas, à avaliação da Capes, conseguimos não
apenas expandir a área, garantir bolsas e financiamentos, como também
conquistamos respeitabilidade da comunidade científica em geral ao comprovarmos
que podemos nos inserir nesse sistema
quase taylorista de produção.
Notem
que esse sistema não é inadequado
para formar químicos, engenheiros, biólogos etc., que trabalham nas bancadas de
laboratórios, buscando conhecimento frequentemente de natureza praxiológica e dividido
em partes, quer dizer, conhecimento produzido por equipe coordenada por
orientador que é gestor de projeto
coletivo e tem em vista resultados
concretos.
Tal
sistema, entretanto, não favorece a modalidade de conhecimento que produzimos,
eminentemente autoral (no sentido de
raramente ser fruto de projeto coletivo) e cuja expressão final é uma narrativa stricto sensu. O
conhecimento histórico demanda erudição
e maturidade intelectual. Raramente
decorre de projeto coletivo. Não tem em mira resultados concretos como vacinas
ou cultivares resistentes a pragas.
Não
surpreende que tenhamos transitado – em termos historiográficos – para enorme fragmentação e ultraespecialização do conhecimento, que são as únicas maneiras de
atender a esse sistema de formação acelerada de mestres. E isso acontece – para
nossa maior infelicidade –
justamente no momento em que a sociedade
reclama compreensão abrangente e em perspectiva dos problemas que a afligem.
Se vocês lerem, como eu tenho feito, os títulos dos livros, capítulos e artigos
de nossa produção vão identificar essa superfragmentação e ultraespecialização
com muita facilidade. Não há mal em estudarmos o fenômeno absolutamente
discreto, particularíssimo, desde que isso não seja um refúgio para a
incapacidade de promover articulações mais amplas.
Se
os principais objetivos da pós-graduação são a formação de mestres e doutores de alto nível e a produção de
conhecimento relevante para a sociedade, devemos nos perguntar se a Área de
História está realizando tal missão no caso do mestrado.
Qual
seria a singularidade do mestrado em
História? O que distingue a
dissertação de mestrado da tese de doutorado?
Se, no caso da tese de doutorado, busca-se
comprovar proposição original, no
caso da dissertação trata-se de verificar a capacidade de condução autônoma de exercício de pesquisa. Coisas
completamente diferentes.
Em vista disso, poderíamos exigir produtos
finais efetivamente distintos, mas continuamos
aferrados à exigência da dissertação de mestrado tradicional, quer dizer,
da minitese.
Qual seria o perfil desejado do mestre que
formamos? O bom egresso do mestrado acadêmico deveria ser profissional capaz de
conceber e delinear uma pesquisa
histórica relevante com autonomia. Deveria deter bagagem historiográfica, teórica, metodológica e técnica maior do que aquela
que detinha quando ingressou no mestrado. Só conseguiremos isso
reformulando nossos cursos de mestrado. Portanto, minha segunda proposta é que façamos ampla
reforma dos cursos de mestrado em História. Creio que essa reforma
passa por muitos aspectos, entre os quais estariam os seguintes:
- O trabalho de conclusão deve ser diferente do formato
da tese, nos moldes de artigo denso, sendo sua avaliação pública feita exclusivamente
por examinadores externos ao programa, sem a participação do orientador, a
fim de garantir o rigor do exame. O parâmetro da avaliação deveria ser o
da recomendação para publicação ou devolução para correções até aceitação
final;
- As disciplinas do mestrado devem ser em
maior número, ter alcance teórico e historiográfico e evitar abordagens
monográficas ou pontuais. A discussão metodológica e técnica deve ser
valorizada;
- Os trabalhos finais das disciplinas
devem ser, na medida do possível, racionalizados (um trabalho final para
mais de uma disciplina ou trabalho final de disciplina associado ao
trabalho de conclusão do curso);
- Não se deve associar a concessão de
bolsas aos mestrandos à apresentação de comunicações ou publicações a fim
de se evitar o estímulo ao produtivismo;
- Atividades como apresentação, aos
mestrandos, de experiências de pesquisadores seniores; workshops com
pesquisadores seniores para debates dos projetos de pesquisa e dos planos
de redação tendo em vista o trabalho de conclusão; oficinas sobre uso de
bases de dados, levantamento bibliográfico, ética na pesquisa, redação em
língua portuguesa e outras assemelhadas são altamente recomendáveis.
No caso do doutorado o problema é diferente.
Se, no mestrado, manifesta-se o problema da
formação de pessoal altamente qualificado – que é um dos objetivos da
pós-graduação –, no doutorado sobressai o segundo objetivo: a produção de
conhecimento relevante para a sociedade. Evidentemente, a produção de
conhecimento diz respeito também à formação do mestre, mas quem me acompanhou
até aqui deverá ter percebido a diferença que propus entre exercício de
pesquisa na dissertação e proposição de tese original no doutorado.
Portanto, a produção de conhecimento
relevante é algo que devemos buscar sobretudo – embora não somente – nas teses
de doutorado e também, é claro, na produção do corpo docente.
Se financiamos a pós-graduação com dinheiro
público (nunca será demais relembrá-lo), devemos esse retorno à sociedade.
As teses dos doutores que titulamos e as
pesquisas que publicamos – cabe então perguntar – atendem a esse requisito? São
conhecimento relevante? Como medir isso?
A única medida válida é aquela que nós mesmo
inventamos e validamos, isto é, a avaliação feita pelos pares, feita por nós
mesmos. Ou seja, a avaliação que temos exercido e aperfeiçoado há tantos anos.
Ora, nas últimas avaliações periódicas da
Capes, isto é, na Avaliação Trienal de 2013 e na Avaliação Quadrienal deste
ano, implementamos sistemáticas novas marcadas pela objetividade, agora com a
facilidade da Plataforma Sucupira.
Vamos considerar inicialmente a tese de
doutorado. Falamos muito de internacionalização da pós-graduação. Como todos
sabemos, esse é um requisito básico para a atribuição das notas máximas aos
programas. Identifica-se a internacionalização por meio de uma série de
atividades: publicações no exterior, cotutela, dupla titulação, financiamentos
obtidos em agências estrangeiras, participação em entidades estrangeiras
renomadas, idas e vindas de pesquisadores para eventos e missões etc.
Sempre me pareceu, entretanto, que a
verdadeira internacionalização do conhecimento está na capacidade de
identificarmos as pesquisas relevantes de nosso campo espalhadas pelo mundo para
“dialogarmos” em nossos trabalhos com tais pesquisas. Quando digo “dialogarmos”
quero dizer “escrever” e não apenas trocar ideias em eventos acadêmicos.
Para ir direto ao ponto, isso simplesmente não tem acontecido em boa parte de nossas teses de
doutorado.
A maioria das teses de doutorado não dialoga
com as pesquisas históricas correlatas de qualidade desenvolvidas no exterior.
Isso é uma tremenda fragilidade e inteiramente indesculpável hoje em dia, haja
vista a facilidade de acesso possibilitada pela internet.
Se vocês fizerem o levantamento que eu fiz,
verão que são raras as referências a estudos estrangeiros. Alguém poderia dizer
que, em se tratando, majoritariamente, de estudos de temas históricos
brasileiros, não caberia a referência a pesquisas estrangeiras. Isso é um
equívoco. Aqui teríamos de voltar ao problema da erudição, da capacidade de
fazer analogias, comparações, justamente uma das carências de formação de que
falava inicialmente. Pois é evidente que o refinamento que uma tese de
doutorado demanda poderá ser encontrado justamente nessa capacidade de
estabelecer analogias entre temas não idênticos.
O caminho mais acessível para a internacionalização
das teses é o recurso aos periódicos, hoje extremamente facilitado graças ao
Portal de Periódicos da Capes. Nossa área, entretanto, usa pouco o portal. Em
consequência, as teses citam pequena quantidade de artigos, privilegiando
livros. Nota-se aí a força da tradição que valoriza livros, não obstante todo o
empenho, quase uma fúria editorial,
no sentido da publicação de revistas de História. Seja como for, gostaria de
sublinhar esses pontos: não recorremos a esse grande investimento do Estado
brasileiro que é o Portal de Periódicos – mantido com grande sacrifício
orçamentário pela Capes – e citamos poucos artigos estrangeiros nas teses de doutorado.
No que diz respeito à produção de artigos
brasileiros, algo muito estranho acontece. Entre 2013 e 2016, os professores
permanentes publicaram cerca de 5.400 artigos em aproximadamente 1.400 revistas
nacionais e estrangeiras. Entretanto, apenas 2% dessas revistas concentraram
cerca de 30% de toda a produção. Mais da metade desses 30% estão publicados em
periódicos bem classificados (A1, A2 ou B1). Isso equivale a quase 1.800
artigos. Porém, as teses de doutorado não os citam com a frequência esperada para
artigos de tal suposta qualidade.
Portanto, de um lado, temos uma grande
produção de artigos, que mantêm a enorme quantidade de revistas da área, sem
que, por outro lado, tais artigos sejam incorporados pelas teses de doutorado,
o que os torna relativamente irrelevantes.
Boa parte das teses não dialoga com a
literatura estrangeira. Elas também não citam abundantemente os artigos publicados
nos periódicos nacionais mais qualificados. Nos levantamentos que fiz,
verifiquei ausência muitíssimo frequente de citação de artigos de autores brasileiros
que são inquestionáveis referências em seus campos no intervalo de três anos,
isto é, artigo publicado em 2013 e tese defendida em 2016, por exemplo.
Por que e para que publicamos tantos artigos
e editamos tantos periódicos? Não será isso, em uma palavra, o tão mencionado
produtivismo? Qual a função, em nossa área, do artigo e do periódico acadêmico?
Temos de aprimorar, ainda mais, a avaliação dos periódicos tendo em vista a
avaliação da pós-graduação, pois, do ponto de vista do sistema de
pós-graduação, alguns periódicos cumprem apenas uma rotina inexpressiva. A avaliação
deve apontar isso.
O fato de que as teses recorrem pouco aos
artigos e à literatura especializada em língua estrangeira decorre da evidência
de que os professores permanentes dos programas de pós-graduação, os orientadores,
fazem a mesma coisa. Permitam-me repetir: os
professores permanentes também não recorrem à literatura especializada em
língua estrangeira, ao menos na amostragem que selecionei. Não surpreende
que seus alunos os imitem. Vejamos.
Se nós considerarmos as disciplinas
obrigatórias dos programas de excelência (seis no resultado da Trienal de 2013) veremos
que elas indicam um total de 182 referências bibliográficas, 159 das quais são
livros e apenas 23 são artigos em periódicos. Os livros em língua estrangeira
são 34. Os artigos em língua estrangeira são sete (boa parte disso em
espanhol). A maioria das referências bibliográficas data da década de 1990,
vindo depois os anos 2000 e depois os anos 1980.
Portanto, podemos afirmar que os professores
responsáveis pelas disciplinas obrigatórias dos programas de excelência
(Trienal 2013) privilegiaram em suas bibliografias livros em língua portuguesa,
publicados nos anos 1990, muito raramente usando artigos em língua estrangeira,
apesar de tais artigos serem acessíveis, atualizados, sintéticos e permitirem o
almejado diálogo internacional.
Em função de tudo isso, minha terceira
proposta é que adotemos medidas de qualificação das teses de doutorado por
meio da cobrança de efetivo diálogo com a literatura especializada de alto
nível e atualizada. É preciso ressalvar com muita ênfase que aqui
não defendo o exclusivismo do artigo em língua estrangeira. Tampouco desconheço
a óbvia importância dos livros e dos chamados “clássicos”. Apenas quero chamar atenção
para a necessidade de maior adensamento intelectual das teses de doutorado.
Para tanto, a tese de doutorado deve ser definida como defesa de proposição
original que se fundamenta em rigorosa revisão e eventual correção (ou
complementação) do conhecimento produzido tanto do ponto de vista
historiográfico quanto do ponto de vista teórico-conceitual. Isso implica o
controle da literatura pertinente e de qualidade produzida em qualquer parte do
mundo.
Do mesmo modo, a arguição da tese de doutorado
deveria ser feita por banca o menos possível endógena, tanto do ponto de vista
mais evidente (membros externos ao programa), quanto do ponto de vista do
orientador, já que há a tendência de constituição de grupos de afinidade que se
repetem nas bancas. Haveria que se pensar em não participação do orientador na defesa e, ainda, na indicação de
membros por agente autônomo.
Quero, finalmente, dizer algumas palavras e
apresentar uma proposta sobre a produção do corpo docente.
Como já disse no início (em relação ao que
chamei de crise do mestrado) todos pagamos um preço pelos benefícios
decorrentes da implantação do sistema de avaliação combinado ao fomento (bolsas
e financiamento). No que diz respeito à produção intelectual do corpo docente
dos programas de pós-graduação, está claro que a avaliação da Capes não foi
capaz de evitar o processo que, para poupar tempo, temos chamado de
produtivismo.
Para falarmos com toda a clareza, a grande
culpada por isso foi a ilusão de objetividade que tomou conta, durante anos, da
mente de alguns avaliadores das áreas que usavam ou usam exclusivamente os
fatores de impacto para classificar suas revistas. Essa avaliação praticamente
decidia tudo. Chamo isso de ilusão de objetividade porque a revista era
rigorosamente avaliada com base no fator de impacto recebendo o conceito A1,
A2, B1 etc. Mas esses conceitos eram distribuídos em uma base de dados muito
precária, o antigo ColetaCapes. Problemas de preenchimento. Artigos
duplicados, atribuídos a periódicos errados, enorme quantidade de erros que só
puderam ser glosados recentemente com a Plataforma Sucupira. À precisão da nota
do periódico, atribuída com base no fator de impacto, correspondia a
imprecisão do registro das informações relativas aos artigos.
Nós,
das humanidades, sempre lutamos contra a ilusão da objetividade. Hoje está
claro que o quantitativismo não pode prevalecer. Entretanto, graças à
Plataforma Sucupira (que permitiu que os dados relativos aos artigos fossem
corrigidos com bastante precisão) podemos, hoje, na Área de História, nos apropriar criticamente do que há de bom
nos parâmetros bibliométricos, sem preconceitos nem ilusões. A crítica ingênua
ao quantitativismo não deve prevalecer: a História tem larga experiência com o
alcance e os limites do método quantitativo e do trabalho com dados seriais. Não precisamos ser alertados sobre a ilusão da objetividade: nós é que demos esse alerta.
Seja como for, ao longo dos anos, a matematicidade dos dados (confundida com quantitativismo) passou a impressão de que produzir mais era vantajoso. Isso
gerou inúmeras distorções em todas
as áreas. Em nossa área, o
produtivismo tem se manifestado da seguinte maneira:
- Artigos e
capítulos em coautoria entre
orientador e orientando de bacharelado, de mestrado e de doutorado que não
se caracterizam efetivamente por coautoria, mas por apropriação do
trabalho do orientando;
- Autoplágio em diversos graus,
inclusive de trabalho completo ipsis
litteris;
- Reedição de tese de doutorado ou
de dissertação de mestrado por editora da própria instituição quando,
claramente, a primeira edição não foi um sucesso de vendagem;
- Publicação de coletâneas sem temática definida,
endógenas e/ou com perfil de anais;
- Publicação de
artigos na revista do próprio
programa;
- Publicação de livros parcamente distribuídos,
notadamente os pagos e em CD-ROM;
Esse produtivismo da comunidade tem gerado
uma queda da qualidade da produção, vale dizer, temos produzido mais quantidade
e menos conhecimento relevante.
Antes de apresentar minha quarta e última
proposta, gostaria de trazer mais um conjunto de dados para embasar a questão
da produção intelectual do corpo docente.
Talvez seja conhecida uma das muitas
ponderações que usamos na Área de História para fazer a avaliação. Nós não
avaliamos pessoas, mas programas, de modo que pensamos no conjunto. Observe-se esta
tabela:
Muito
Bom
|
≥ 90%
dos docentes com ao menos dois itens de produção
|
Bom
|
Entre
80% e 89%
|
Regular
|
Entre
70% e 79%
|
Fraco
|
Entre
60% e 69%
|
Insuficiente
|
Menos
de 59%
|
A ideia é que, em quatro anos, o professor de
um programa de pós-graduação produza ao menos dois itens. Podem ser dois
capítulos, um capítulo e um artigo, um livro e um capítulo, uma organização de
coletânea e um capítulo – qualquer combinação. E de quaisquer estratos, ou
seja, podem ser dois capítulos L1 ou dois artigos B5. Basta produzir dois
itens. Se 90% do corpo permanente atingir esta meta o programa recebe o
conceito “Muito Bom”.
Não se pode chamar isso de estímulo ao
produtivismo.
Bem. Essa pequena, modesta exigência é feita
a todos os professores permanentes dos programas. Infelizmente, nem todos os
programas conseguem o conceito “Muito Bom” nesse item. Na verdade, quase 40%
dos programas não alcançaram o conceito “Muito Bom”.
Poderíamos perguntar qual é o desempenho de
outro conjunto de professores, os pesquisadores com bolsa PQ, aqueles que o
CNPq define como tendo produção científica de destaque, os bolsistas de produtividade
em pesquisa do CNPq.
Hoje há 253 bolsistas da área de História no
CNPq, mas, ao longo do quadriênio, passaram pelo sistema de pós-graduação cerca
de 340, considerando os que ganharam e perderam a bolsa, os bolsistas de áreas
diferentes e outras variáveis. Se considerarmos a definição do CNPq, poderíamos
esperar que os bolsistas pudessem ter, no quadriênio, dois itens nos altos
estratos. Entretanto, 65 bolsistas de produtividade não publicaram nada nos
estratos elevados, nem mesmo livros, que hoje são mais fáceis de publicar do
que os artigos, já que muitos programas pagam sua publicação sem qualquer
avaliação por pares. Além disso, trinta publicaram apenas um item nos altos
estratos, totalizando 95 abaixo do mínimo de dois itens – o que equivale a
27,9%.
Portanto, se os 340 bolsistas compusessem um
hipotético programa de pós-graduação, esse programa seria avaliado apenas com o
conceito “Regular” no item que
analisa a “distribuição de publicações qualificadas em relação ao corpo docente
permanente do programa”.
Não me surpreenderia se esses 95
bolsistas – ao menos parte significativa deles – tivesse produção nos baixos
estratos. Não tive tempo de fazer esse levantamento.
Esse é mais um indício do problema que
estou apontando, do produtivismo praticado pela comunidade, que resulta em
grande produção de trabalhos sem maior relevância, ao menos segundo a avaliação
da própria comunidade. Devo reiterar essa última observação: a avaliação que
aqui estou mobilizando não é feita por mim, mas pela comunidade.
A avaliação da Área de História junto à
Capes nunca compartilhou da ilusão de objetividade que prejudicou outras áreas.
Mas ela deve tomar medidas para corrigir rumos e ser positivamente indutora. É
nesse sentido que apresento minha quarta e última proposta: a avaliação da produção docente da nossa área
na Capes deve ser feita a partir da melhor produção dos docentes, limitada a certo número de itens.
Construir uma tabela da melhor produção
é simples e essencial para valorizar a qualidade, não a quantidade. Seria o
caso de trabalharmos apenas com os três ou quatro itens mais bem avaliados de
cada docente.
Nós também podemos combinar a melhor
produção avaliada pela comissão (a partir de toda a produção) com a melhor
produção indicada pelos próprios professores e/ou programas (autoavaliação).
A tabela da melhor produção também
permite aprofundar a análise por grupos de programas, já que nós não avaliamos
os programas nota 3 ou 4 com os mesmos critérios com que avaliamos os programas
6 e 7.
Existem experiências em curso que podem
servir de base para reflexão e debate.
Adotar a tabela da melhor produção não
impedirá o produtivismo, mas não deixará de ser uma sinalização.
Deve-se ressalvar que a proposta de avaliar a melhor produção não implica o abandono do registro e avaliação da totalidade da produção, inclusive para não se perder a comparabilidade das séries constituídas.
Devemos adotá-la juntamente com a
avaliação da autoavaliação e a avaliação dos egressos (que deve
incluir a nucleação e a empregabilidade). A avaliação precisa e vai se
transformar e se aperfeiçoar. Nós temos duas opções: ou participamos como
proponentes da mudança da avaliação ou apenas testemunharemos as mudanças.
Em resumo, creio que devemos nos despir de
quaisquer preconceitos e reconhecer nossos limites e fragilidades, assim como
nossa força. Hoje nós podemos propor o que quisermos a Capes. Ela fará o que
nós dissermos que é melhor para nossa área. Eu não sou pretensioso a ponto de
supor que tenha respostas para todas as nossas questões, mas seria
irresponsável se não aproveitasse a experiência que tive para apresentar as
propostas que estou fazendo.
A ideia é propor um amplo e democrático debate. Creio que esse debate deveria ser feito por toda a comunidade e não apenas pelo Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação em História. O Fórum poderia promover conferências nacionais de pós-graduação e pesquisa capazes de propor diretrizes nacionais de expansão, de avaliação, de seleção, de internacionalização, um portal de periódicos e um portal de teses - pelo menos. Precisamos nos profissionalizar com urgência para intervir de maneira politicamente eficaz na reforma da avaliação da pós-graduação brasileira - que virá.